domingo, 8 de novembro de 2009

MEMORIAL DE LEITURA

RITA DE CASSIA RODRIGUES SOUZA
MEMORIAL
Memorial apresentado à Formadora de Língua Portuguesa, do GESTAR II.
Formadora professora: Rosa Maria Olimpio


Itaberaba, Bahia.
2009



Dedico a realização deste Memorial, primeiramente, a DEUS - presente em todos os momentos da minha vida – momentos felizes, infelizes, difíceis ou nem tanto... Mas que foram vivenciados e ultrapassados graças à Força Divina que sempre esteve, está e estará presente em minha vida através da minha Fé. Aos meus pais, a quem devo a vida, ao meu esposo que sempre foi compreensivo, companheiro e cúmplice nesta minha trajetória acadêmica, aos meus queridos e amados filhos que sabem o quanto a realização deste trabalho é importante e significativo para mim e a quem deixo o meu exemplo (exemplo este que gostaria que vocês levassem consigo ao longo de vossas vidas) de que “Nunca é tarde para aprender! Viver é uma grande e infinita aprendizagem e que Todos somos capazes!”...



Agradecimentos

À Deus, que me deu a vida e a oportunidade de realizar muitos sonhos e objetivos e aos meus pais que sempre foram exemplo de vida perseverante para mim.
Ao meu esposo Ronaldi, aos meus filhos Júnior e Débora, que nos momentos mais difíceis dessa minha trajetória foram companheiros e compreensíveis.
Às minhas amigas e colegas de curso de Letras: Adenilza Dias, Ana Lúcia Magalhães, Geovana Rodrigues, Márcia Ursulino e Maria Vilma Vilela, que fizeram meu coração sorrir e sempre estiveram junto a mim, mesmo quando não estava disposta e nos momentos que eu pensava que ia cair me ajudaram a levantar, fizeram a diferença em minha vida e pelos inesquecíveis momentos de estudos que juntas convivemos, os quais alicerçaram a nossa amizade e, com certeza, a eternizará.
Às pessoas das quais sinto muitas saudades por ter tido a felicidade de com elas conviver e temos em comum as eternas recordações.
A todos meus professores que colaboraram direta ou indiretamente para a concretização deste meu sonho.
A todos meus alunos e ex-alunos, com os quais tenho aprendido muito.
Para vocês, ofereço esta página...
Que os versos do dia-a-dia formem os mais belos poemas da poesia da vida...
Muito obrigada a todos!


Apresentação

Neste memorial, apresento minha trajetória de vida enquanto educadora e relato alguns fatos que antecederam meu ingresso na universidade e que são tão importantes para mim, quanto a minha trajetória acadêmica.
Certamente, aqueles que comigo conviveram ou ainda convivem, mais facilmente entenderão este memorial, confirmando, assim, o que disse Antoine de Saint Exupéry na sua lindíssima obra “O Pequeno Príncipe”: “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos”.
Escrever um memorial não é tarefa tão fácil nem tão difícil que não possa ser realizada. Selecionei minhas memórias e, a partir delas, com a base adquirida no decorrer de minha vida profissional, pessoal e acadêmica, relatei.
Desejo que cada leitor deste memorial, ao lê-lo, compreenda que a conclusão deste curso de Letras é uma conquista de muitos anos de trabalho dedicados à educação e aos meus estudos que são uma das paixões, compromisso e responsabilidade de minha vida.
Relato minhas vivências anteriores à minha vida acadêmica por serem elas a base do meu aprendizado enquanto pessoa, profissional e eterna estudante, e por acreditar que nunca seremos totalmente completos, pois a esperança é uma virtude que nos impulsiona a novas conquistas e que educar é uma aventura criadora, um desafio de aprender todos os dias em um constante construir e reconstruir

1. Minha vida e memórias...

Filha primogênita, tudo começou com o dia do meu nascimento, em 02/04/1961. Nasci na cidade de Santa Inês - BA, segundo minha mãe, era um dia de domingo de Páscoa, dia de grande festa para os cristãos, meus pais Laudelino Ferreira de Souza e Alzira Rodrigues Souza, morávamos na zona urbana da cidade, pessoas humildes, que lutavam pela sobrevivência da família. Minha mãe, mulher, dedicada à família, além de cuidar da educação das filhas, pois éramos três, sempre trabalhava numa pequena roça e catava café na zona rural, para ajudar no sustento da casa e manter as filhas estudando. O grande sonho de minha mãe era ver suas três filhas formadas e que pudessem ter uma vida menos sofrida, realizando trabalhos menos pesados e cansativos que os da zona rural.

2. Minha primeira cartilha

Há coisas na vida que a gente nunca esquece: a primeira professora, o primeiro namorado, a primeira cartilha. Minha introdução às letras foi feita através de um livrinho chamado “Carta do ABC”. Muito interessante estas lembranças, pois tinha na época seis anos e comecei a estudar com minha avó paterna, que se chamava Adélia da Conceição e carinhosamente todos os dias ensinavam-me a reconhecer as primeiras letras do alfabeto. Era um livro de poucas páginas, pequeno mesmo. Na primeira página, havia o alfabeto maiúsculo, na segunda as vogais e consoantes também maiúsculas e na terceira página o alfabeto minúsculo, as vogais e consoantes minúsculas. Nas páginas seguintes, os ditongos, substantivos próprios e comuns e pequenas frases. Nas primeiras aulas, minha avó ensinou-me a leitura do alfabeto de forma corrida e em seguida a leitura de maneira salteada, com uma metodologia própria, pois abria um pequeno orifício num pedaço de papel de embrulho vermelho, colocava sobre as letras e pedia que eu lesse somente a que aparecia pelo orifício de forma que as outras não ficavam à vista para ver se eu realmente já conhecia as letras do alfabeto.
Quando fui matriculada em uma escola, na primeira série, já lia e escrevia pequenas frases e meu nome. Lembro-me também da minha cartilha da primeira série, nela havia uma leitura intitulada “O palhaço arrelia”, com a figura de um palhaço com o nariz bastante vermelho e uma cara muito simpática. São boas e inesquecíveis lembranças que o tempo não apaga de nossa memória.

3. O ensino fundamental

Naquela época de 1970, numa cidade pequena como Santa Inês, ser professora era uma profissão privilegiada, pois os filhos das classes mais humildes nem sempre conseguiam concluir o segundo grau. Era realmente uma minoria que alcançava tal objetivo. A cidade por ser pequena não oferecia escolas particulares, por isso os filhos das classes mais abastadas eram quem preenchiam as vagas das escolas públicas e as valorizavam. Sobrando assim, poucas vagas para os mais humildes, mas a minha mãe nunca desanimava e todos os anos com muita luta nos matriculava. Assim, no Colégio Estadual Góes Calmon, conclui as primeiras quatro séries do antigo Ensino Fundamental, com muita luta e força de vontade. Nesta época, já lia, pois para mim a leitura era uma atividade muito gratificante, desde que aprendi as primeiras letras tinha um grande desejo de fazer muitas leituras, gosto que aprendi como meu pai, pois ele sempre lia belas histórias para mim e minhas irmãs. Ele era amante da literatura de cordel e também repentista, sempre nas noites de lua cheia, pois na rua onde morávamos, naquela época, não havia energia elétrica, então ele pegava a viola tocava e contava bonitas histórias para nós e os filhos dos vizinhos. Lembro-me de uma história intitulada “A órfã abandonada” e sempre que ele contava a gente se emocionava com o sofrimento da menina chamada Matilde que muito sofreu nas mãos de uma madrasta má. E assim fui tomando gosto pela leitura.

“Das muitas coisas do meu tempo de criança guardo vivo na lembrança o aconchego de meu lar. No fim da tarde quando tudo se aquietava, a família se ajuntava lá no alpendre a conversar. Meus pais não tinham nem escola e nem dinheiro, todo dia o ano inteiro, trabalhavam sem parar. Faltava tudo, mas a gente nem ligava, o importante não faltava, seu sorriso, seu olhar. Eu tantas vezes vi meu pai chegar cansado, mas aquilo era sagrado um por um ele afagava. E perguntava quem fizera estripulia, e mamãe nos defendia, e tudo aos poucos se ajeitava. O sol se punha a viola alguém trazia, todo mundo então queria ver papai cantar pra gente desafinado, meio rouco e voz cansada, ele cantava mil toadas, seu olhar no sol poente”.

4. O ensino médio

Era sempre motivo de muitas alegrias o início de um novo ano escolar. Foi assim que no ano de 1979, fui matriculada no 1º ano do Ensino Médio, no mesmo Colégio Cenecista Santa Inês, novos sonhos, novas perspectivas de vida. Todo o tempo de estudos entre o Ensino Fundamental e Médio foi oportuno para fazer leituras de muitos livros de literatura, Cursei o Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série no Colégio Cenecista Santa Inês do ano de 1975 a 1978. Foram quatro anos de muita luta, pois nesta época já trabalhava para poder estudar. E o maior sonho de minha vida era concluir o Ensino Médio. Sempre acreditei naquilo que fazia e tinha muita força de vontade para vencer os obstáculos. Este Colégio, no qual, estudava não era totalmente do Estado havia um convênio com um órgão do governo ou uma Ong e os pais tinham que pagar uma mensalidade para manter seus filhos estudando ali. Era um esforço muito grande, da minha mãe, sustentar as mensalidades em dias, e por isso já trabalhava também para ajudá-la com as despesas dos estudos. Todo o tempo de estudos entre o Ensino Fundamental e Médio foi oportuno para fazer leituras de muitos livros de literatura, revistas Sabrina, gibis, bolsilivro, revistas de fotonovelas... Para mim, a leitura era uma atividade muito prazerosa, não que eu fosse estimulada pelos professores, mas pelo estímulo das leituras feitas pelo meu pai que me proporcionava oportunidades de conhecer lugares longíguos, experimentar muitas emoções e sensações através da vida de muitos personagens da mais variadas histórias. Era como uma marca identitária. Li muitos romances de José de Alencar, Machado de Assis, José Mauro de Vasconcelos, Érico Veríssimo, os romances de Adelaide Carraro, que naquela época eram quase proibidos, Poliana moça e menina, Os miseráveis de Victor Hugo, O pequeno Príncipe, além dos livros de mensagens religiosas como os de Pe. Zezinho, Ademar de Barros, dentre outros.

5- Eu, estudante e membro do Grupo de Jovens da Igreja Católica de Santa Inês.

Durante estes anos em que morava em Santa Inês e era estudante, eu participava ativamente da vida da comunidade, pois fazia parte do grupo de Jovens da Igreja católica. Foi importantíssima na formação da minha vida pessoal e profissional este tempo em que vivi envolvida com várias questões da comunidade e todos nós jovens que caminhávamos juntos éramos comprometidos, responsáveis e sonhávamos com um mudo mais justo e mais humano. E juntos professávamos uma mesma fé e acreditávamos que poderíamos dar sempre um pouco de contribuição para transformar não o mundo inteiro, mas com certeza pelo menos a comunidade na qual convivíamos.
E, assim, no ano de 1980, tivemos a felicidade de recebermos em nossa comunidade umas religiosas da congregação “Sagrada Família”, que tinha casa sede na cidade de Ipiaú e Salvador. Para nós, aquele foi um momento único, éramos jovens e precisávamos de pessoas que nos orientassem e fossem companheiras de lutas. Pois, até o momento nós trabalhávamos na comunidade sob a orientação do padre Nazareno, que confiava na nossa proposta de trabalho, mas já era um senhor de idade já bastante avançada e às vezes ficava difícil acompanhar os nossos sonhos e os nossos desejos de mudança, entretanto, ele era muito amável, confiava no nosso trabalho e sempre viajávamos com ele para as celebrações na zona rural aos domingos pela manhã.
Depois da chegada das religiosas, houve muitas renovações nos trabalhos religiosos e comunitários. E nós, os jovens, com certeza só aprendíamos muito com a convivência com elas. Crescíamos não somente em sabedoria, mas também na fé, no companheirismo, na reciprocidade das amizades. Hoje, olho para trás e me pergunto o que ficou desse tempo, e tenho a certeza que tudo que sou são marcas vivas do que vivi, dos meus sonhos, das minhas boas amizades, amizades estas que muito contribuíram para eu acreditar no meu potencial enquanto pessoa e muito me orientaram para lutar sempre em busca de conquistar meus ideais.

“-Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer “cativar”?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa “criar laços...”
“(...) Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos”.
5. O estágio supervisionado do Curso de Magistério

No ano de 1981, matriculei-me no 3º ano do Curso de Magistério, ia me tornar professora, pois por ser uma cidade pequena, do interior, Santa Inês não oferecia outra profissão que não fosse professora, mas até o momento não sentia que era realmente este o meu desejo, a minha vocação e pensava quem sabe futuramente podia fazer um curso de contabilidade ou prestar um concurso público para outra área qualquer para ter um emprego para sobreviver. Finalmente, surge o Estágio Supervisionado do Curso de Magistério em agosto de 1981. Foram quarenta e cinco dias de regência de classe. Estagiei numa quarta série do ensino fundamental, no mesmo colégio onde cursei da 1ª a 4ª série do ensino fundamental, Colégio Estadual Góes Calmon. Foi uma experiência muito gratificante, vivi momentos muito felizes com aqueles alunos e aos poucos fui me identificando com a minha nova função, naquele momento já não era somente estudante de um curso de Formação de Magistério, mas já me sentia realmente professora no papel que desempenhava naquela sala de aula, durante aqueles quarenta e cinco dias. Pois “Só desperta paixão por aprender quem tem paixão por ensinar” . Nesse momento, nascia em mim a paixão por ensinar, tenho plena certeza de sou realmente apaixonada pelo ensino e pela educação. Sou educadora por vocação e por prazer. Acredito naquilo que faço e amo ensinar o que sei, tenho certeza de que nasci para isso, provavelmente não seria feliz se fizesse outra coisa.
Nesta experiência do estágio, tive a felicidade de receber uma grandiossísima contribuição para as confecções dos mais variados cartazes que arrumei a sala de aula. Por não ter nascido em berço de ouro, eu já trabalhava para ajudar a minha mãe manter-me estudando, pois naquela época não recebíamos nenhum incentivo do governo e por trabalhar no turno da manhã e estudar e estagiar à tarde, não sobrava quase tempo para confeccionar todo material que usaria no estágio. Então, a minha amiga religiosa, irmã Assunta Giordano, foi muito amável comigo e recortou todas as letras que usei para fazer os cartazes e portifólio. Por isso, não canso de agradecer a Deus por ter colocado na minha vida pessoas bondosas e inesquecíveis.
Costumo sempre dizer que se eu não fosse professora Deus me possibilitaria tornar-me professora. Existem coisas na área da educação que nos entristece, mas existe algo muito maior e gratificante que é o carinho, a amizade, o respeito e a confiança por partes dos alunos que me motiva a acreditar naquilo que faço e a cada vez mais me tornar uma profissional responsável e melhor. E confirmo assim o que disse Aristóteles: “A educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces”.
E assim após três anos de estudos, no dia 20 de dezembro de 1981, eu concluía o Curso de Magistério.


16. Minha vida acadêmica UNEB Campus XIII

16.1. O curso de Pedagogia

Em janeiro de 2002, saía a lista dos aprovados dos cursos da UNEB, e meu nome estava lá, fui aprovada para cursar Pedagogia. Agora sim, a oportunidade para fazer um curso superior. Olhava para trás e valorizava tudo pelo que passei até chegar este momento. Na verdade, não era o curso que tanto desejava, pois a matéria que eu lecionava era Língua Portuguesa e aqui ainda não tinha o curso de Letras, faria Pedagogia futuramente Letras. Era preciso continuar vivendo com a esperança de que cada coisa se realiza no seu tempo certo. Eu sempre fui uma pessoa esperançosa. Foi o que aprendi com minha mãe e meus amigos, que as pessoas devem lutar por seus objetivos e ter esperança de viver dias melhores. É o que nos diz também Paulo Freire:

“Na verdade, do ponto de vista da natureza humana, a esperança não é algo que a ela se justaponha. A esperança faz parte da natureza humana. Seria uma contradição se inacabado e consciente do inacabamento, primeiro, o ser humano não se inscrevesse ou não se achasse predisposto a participar se um movimento constante de busca e, segundo, se buscasse sem esperança. A desesperança é a negação da esperança. A esperança é uma espécie de ímpeto natural possível e necessário, a desesperança é o aborto desse ímpeto. A esperança é o condimento indispensável à experiência histórica.”


Fiz três semestres de Pedagogia, que foram muito bons para a minha formação tanto pessoal quanto profissional. E por isso, acredito que todo ser humano deveria fazer o Curso de Pedagogia, porque muito contribui para sua vida pessoal. Foi um tempo muito bom. Proporcionou-me formar novas amizades. Reuníamos-nos sempre para estudar, eu, Diana Glaucia, Veronildes, Ana Vaz, Eliene Maia. Tive a felicidade de conhecer o Srº Vírgilio (in memória), pai de Diana que nos acolheu, eu, meus filhos e meu esposo como membros da sua família e assim meu círculo de amizades aumentava.
Realizamos um projeto interdisciplinar orientadas pelas professoras Maeve Mascarenhas, que ministrava Filosofia, e a Professora Antonildes, que lecionava Língua Portuguesa, foi ótimo. Baseado nos livros de Marcos Bagno, A Língua de Eulália, novela sociolingüística, e o Preconceito Lingüístico. Escrevemos uma peça teatral onde discutimos questões referentes à língua escrita e a língua falada. Levamos a língua escrita para um júri simulado como ré e a língua falada como a vítima dos olhares preconceituosos. Excelente livro, pois questiona o ensino tradicional de Língua Portuguesa e aponta como solução para reduzir o abismo entre o Português padrão e o não-padrão que as escolas incorporem usos lingüísticos novos utilizados pela literatura, aceitem o fim do mito da língua única e admitam que a língua esteja em constante mudança. O ensino de Língua Portuguesa também precisa abordar temas como variantes lingüísticas e fenômenos da língua, para informar o aluno sobre o uso prático da língua, assim evitando preconceitos e nunca deixar de mencionar seu valor social, para instruí-lo quando ele deve usar o Português padrão. A platéia vibrou com a nossa atuação e criatividade. Tempos bons.

16.2. O curso de Letras

Por incrível que pareça a UNEB abre inscrições para o Curso de Letras, e eu, que acreditava e tinha esperanças de fazer este tão sonhado curso, faço minha inscrição. Muitos amigos reforçavam a minha idéia, pois acreditavam que eu seria uma das aprovadas. Em janeiro de 2003, sai o resultado do vestibular e graças a Deus e a minha perseverança, meu nome mais uma vez constava na lista dos aprovados. Que alegria! Quanta alegria!
Agora a UNEB abria as portas para que eu pudesse aprender Língua Portuguesa, ia aprender gramática para ser realmente professora de Língua Portuguesa. Era só ansiedade, pois veio uma greve, atrasou a data do inicio do curso. Estava fazendo o terceiro semestre de Pedagogia, tranquei o curso, porque lecionava quarenta horas semanais e não tinha tempo suficiente para fazer dois e a faculdade por ser pública não faz duas matrículas ao mesmo tempo. Fiquei esperando o início das aulas. Um ano e meio depois, em junho de 2004, depois de uma longa espera as aulas iniciam.
De repente, parece que tudo aquilo que eu pensava em aprender no curso de Letras ia por água abaixo, pois me deparei com o professor de Lingüística, Adelino Pereira, um homem enorme em pé na minha frente, na sala de aula e com uma voz forte, maior que ele dizia: “Peguem suas gramáticas e joguem-nas fora! Estamos aqui para combater o ensino gramatiqueiro”. E eu pensei comigo mesma:” Nossa! Onde vim meter-me? E agora?” Olhava para a sala toda e só via olhos assustados, ninguém entendia nada daquilo que ele dizia. Parecia que tudo caía por terra. E exibia uma enorme “bibliografia:” Preconceito Lingüístico, Marcos Bagno, para o próximo seminário, leiam também “Linguagem na escola de Magda Soares...” E todas as aulas a mesma coisa: “Esqueçam a Normativa!”. E agora o que ia ensinar na escola? Como continuar com minhas aulas de Língua Portuguesa? Meu Deus! Já não sabia mais nada! Era como se eu não fosse mais professora de Língua Portuguesa. Até que um dia sugeriu: “Leiam o livro de Sírio Possenti Por que (Não) ensinar Gramática na Escola, bem como, Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática do doutor em Ciências Lingüísticas Luis Carlos Travaglia.” Fiz muitos resumos, debates, fichamentos e aos poucos eu ia compreendendo as teorias e qual era a verdadeira proposta do ensino de Língua Portuguesa, o que era ser professor de língua materna.

Sabe-se que a questão do ensino da gramática na escola tem sido longamente discutida. A discussão continua atual, seja porque o professor precisa decidir, caso haja ensino de gramática na escola, qual proporção do tempo destinado ao ensino da língua deve ser dedicada a cada uma das estratégias (leitura, redação, gramática etc.)

No primeiro momento, pareciam muito complexas essas teorias, mas aos poucos fui compreendo e aprendendo o que dizia Possenti. Era realmente um convite à reflexão sobre a postura, a metodologia e as práticas pedagógicas do professor de Língua Portuguesa, pois ele vai além aos seus questionamentos quando pergunta: “Damos aula de que a quem”? E continua numa abordagem crítica-reflexiva ao afirmar que:

“Para que um projeto de ensino de língua seja bem sucedido, uma condição deve necessariamente ser preenchida, e com urgência: que haja uma concepção clara do que seja uma língua e do que seja uma criança (na verdade, um ser humano, de maneira geral). A melhor maneira de obter tal concepção sem ter que passar por uma vasta literatura de lingüística e de psicologia é ler meia dúzia de textos escolhidos e bem lidos, eles podem tornar-nos bons observadores dos fatos, em especial do que as crianças fazem diariamente ao nosso redor. Poderemos pensar o que quisermos das crianças, mas provavelmente não estaremos autorizados a dizer que elas, mesmo as menos dotadas do ponto de vista das condições matérias, são incapazes de aprender línguas”.




Fazia parte da primeira turma, e com os outros colegas sempre pensávamos em realizar um projeto que envolvesse a comunidade e sob a orientação das professoras Carla Patrícia, Ana Paula Fonseca e Maria Anória, fizemos a montagem, divulgamos a programação e realizamos o 1º entardecer no CAMPUS XIII, foi muito gratificante. Pois a nossa turma estava bastante envolvida, houve recital de cantigas de amor, de amigo e de escárnio em Glaico Português, painel analítico de Carolina Maria de Jesus, e como suporte teórico seu livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada.
Porém, não se sabe por que, mas a verdade é que este foi o único evento que a primeira turma de Letras se envolveu e participou. Uma pena! Mas ficou na história. Foi muito intensa a forma como nos envolvemos no primeiro evento, por isso não entendo como houve tantos desencontros, quem sabe talvez algumas questões políticas internas por parte de alguns. Fica aqui a interrogação.
Entretanto, o curso parecia que caminhava razoavelmente bem, sem contar o calor infernal naquelas tardes e salas que mais pareciam estufas e a falta de professores, que tanto contribuiu para o atraso da conclusão do curso, isso sem falar na tal mudança da grade curricular, outro enorme transtorno na vida dos estudantes. Por outro lado, com a matéria Literatura, tive a oportunidade de reler bons livros e com outro olhar e assim compreender a obra e analisá-la criticamente.
Muitas leituras, discussões e análises de livros foram feitas. Lembro-me da análise literária do livro Clara dos anjos, de Lima Barreto, que eu e minhas amigas Maria Vilma e Geovana fizemos, com o olhar voltado para a questão étnico-racial. Estudo orientado pela professora Maria Anória. Foi um longo tempo para analisarmos a obra, pois, sabe-se que em toda análise literária há um esforço do analista por descobrir, no texto, não apenas sua estrutura e seu movimento interior, mas, principalmente, o sentido das suas palavras, do seu tema e da sua linguagem, com o objetivo de não só perceber o valor e o relacionamento entre esses elementos, mas também de uni-los intrinsecamente para melhor compreender e interpretar a obra como um todo significativo.
Quando li “Memória Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, pela primeira vez, cursava a 8ª série do Ensino Fundamental e quase nada entendi do que o narrador queria dizer com tantas metáforas: “Já meditaste sobre o destino do nariz, amado leitor”? Muito complexo naquela época compreender determinados significados, sem ter um professor que orientasse a leitura da obra e sem uma boa fundamentação teórica.
Eu, Geovana e Vilma sempre nos reuníamos em minha casa para estudar, como sofríamos e nos angustiávamos com as dificuldades, mas não desanimávamos, pois aprendíamos muito com nossas discussões. Cada dificuldade que surgia era uma oportunidade e desafio para aprendermos mais.
E os cursos de férias então, em pleno janeiro, tive a felicidade de conhecer o professor Luís Bulcão, que lecionou a matéria de Língua Latina I e II, que figura singular, e quanto cativou a turma e se deixou cativar...
Em 2007, a professora Glauce Maciel lança um projeto de trazer alunos de escola pública para o espaço acadêmico em uma oficina de Estágio Supervisionado II. Foi muito bom. Foi uma experiência sem igual, pois foi uma Oficina de intervenção realizada no dia 16 de agosto de 2007, na sede nova, do CAMPUS XIII. Eu e Maria Vilma organizamos tudo, painéis, DVDs, sucatas de revistas, livro de contos e crônicas da coleção Literatura em minha casa, pilotos, papéis, tesouras, slides, todos os recursos necessários para o bom funcionamento de uma Oficina. Conseguimos até um ônibus grátis para transportar os alunos. Era uma aula díspare, pois o aluno teve a oportunidade de sair de sua sala de aula e participar de uma aula diferente com a temática: Reconte um conto e dramatize uma crônica. Foi muito significante esta oficina, pois naquele dia, aprendemos muito com aqueles alunos da 7ª série D, do Instituto Municipal de Educação, escola onde realizamos nosso Estágio II de Observação. Finalmente, 8º semestre, e que por motivos superiores não era o último, parecia que a turma ia ser jubilada, foi greve, falta de professores, muitas dificuldades. Mas, estava aí firme ainda e com esperança enorme de logo concluir este curso. Surge o professor Leandro Soares, para ministrar o Componente Curricular Literatura Africana de Expressão Portuguesa e tive a oportunidade de conhecer autores como Stuart Hall e discutir, exaustivamente, o livro “A identidade Cultural na pós-modernidade”, textos de Zilá Bernard, Mia Couto e Pepetela, Maria Aparecida, Santilli, dentre outros, o que serviu como alargamento das fronteiras identitárias, importantíssimo estudo para a minha formação de professora de Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa, os quais antes nunca tive oportunidade de discutir.
Ufa! 9º semestre tão esperado! Já me sentia jubilada na UNEB, será que agora saio? Eram somente duas matérias para cursar: Estágio Supervisionado III, pela professora Glauce Maciel e Cultura Brasileira, ministrada pela professora Maria das Graças Rabelo, minha conterrânea, eu a conheci aqui na UNEB, em Itaberaba. Quantas alegrias e felicidades este curso me proporcionou! E com esta matéria surgiu a oportunidade de fazer com minha amiga e colega de curso, Maria Vilma, mais uma análise literária de uma obra com o olhar para as questões de gênero: “Senhora” de José de Alencar, romance concluído e publicado na segunda metade do século XIX, que denuncia, na afigura da protagonista, o costume brasileiro da época de submeter a mulher ao poder masculino, bem como, sugere como seu título uma reação feminina e critica os casamentos feitos por interesses financeiros e conveniências. Foram momentos inesquecíveis de grandes discussões e aprendizagens.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nunca pensei que escrever este memorial fosse fazer reviver tantas emoções... São vinte seis anos de vida dedicada à educação e para mim é uma retrospectiva muita longa... Revivi momentos de muito trabalho, muitas lutas e vitórias... E relembrei a convivência com pessoas amadas e queridas que muito contribuíram para o meu crescimento tanto espiritual como intelectual...Tenho certeza que tudo que vivi fez de mim uma pessoa diferente, porque, hoje, sei que sou muito mais flexível, principalmente em relação aos meus alunos....
Com certeza, todo esse tempo foi uma grande aprendizagem na minha vida, sei que tenho tenho muito ainda a aprender e apreender, mas com certeza cresci um pouco, principalmente na minha vida espiritual.
Confesso que me inquietei bastante por não ter certeza por onde iria começar a relatar. Entretanto, aos poucos as idéias foram aflorando e quando me dei conta já havia listado uma seqüência de tópicos para serem desenvolvidos. Fiz muitos recortes, pois afinal são vinte e seis anos em efetiva regência de classe, escrever tudo? Impossível! Mas garanto-lhes que fui fiel ao máximo possível aos fatos aqui relatados.
Quero registrar que foi uma decisão acertadíssima realizar este Estágio supervisionado III em Conceição do Coité, pois acredito que o ser humano cresce a cada dia que ousa realizar seus projetos, seus sonhos e estar sempre a procura de novos conhecimentos, e por sermos sujeitos inacabados devemos estar permanentemente abertos ao processo de aprender e apreender.
Não sou um gênio do século XXI, mas sou uma pessoa otimista e sempre acreditei que com lutas, bom senso e força de vontade podemos embelezar, modificar, e construir nossa própria história. E por ser uma pessoa que abraça com todas as forças o que acredita, sempre consegui realizar os meus objetivos. Acredito que essa seja uma marca própria de minha existência, enquanto sujeito ativo da história e não objeto passivo.
Escrever este memorial foi uma experiência gratificante, fez-me relembrar muitas coisas boas. Foi como abrir um baú cheio de relíquias preciosas: alegrias, amizades, felicidades, encontros, desencontros, reencontros, lutas, perseverança, esperança, vitórias e a certeza de que há ainda muito para fazer, conquistar e aprender.

Referências bibliográficas:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 10ª edição, 1998.
DE SAINT-EXUPÉRY, Antoine. O Pequeno Príncipe. Editora Agir, 44ª edição. Rio de janeiro, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Editora Paz e terra, 35ª edição, 2007.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) Ensinar gramática na escola. Campinas, SP: Mercado das Letras: Associação de leitura do Brasil, 1996.
SUA SANTIDADE, o Dalai Lama. O livro da felicidade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
Outras fontes:

(Charlie Brown Jr. e Geraldo Vandré) letras. terra.com. br/paramore/46168/

(Geraldo Jordão Pereira)
www.mensagensepoemas.net/index.php/20080819429/Mensagens../Pensamentos-sobre educação.
www.pensador.info/autor/Cora_Coralina/ - 36k –
Utopia Padre Zezinho Composição: Pe. Zezinho
http://valeryamoreyra.blogspot.com/2008_08_10_archive.html

Fernando Francisco dos Santos. Professor de Língua Portuguesa. fernandosantosprof.blogspot.com/ - 82k

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